7 de abr. de 2008

CARTÕES CORPORATIVOS, DOSSIÊ E ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO

Vladimir Passos de Freitas*

O uso dos cartões corporativos nada tem de errado. É prática que agiliza os atos da administração pública, além de tornar os gastos mais controlados e transparentes. Mas, evidentemente, devem ficar restritos a autoridades de elevado nível hierárquico e sempre condicionados à existência de manifesto interesse público.

Não é razoável conceber, por exemplo, que um ministro de Estado tenha que passar o dia policiando seus atos e que não disponha de uma forma de quitar despesas de menor porte e absolutamente necessárias. E muito menos que um presidente da República ou governador de estado tenha que exercer, ainda exemplificando, controle direto sobre as despesas de alimentação ou de energia elétrica.

Recentemente, fatos noticiados pela mídia deram conta de uso irregular de cartões corporativos na administração publica federal. As linhas pouco nítidas do permitido e do não permitido, aliadas a uma prática secular de mesclar o público e o privado, levaram a uma situação de fato de grande repercussão nacional. Como resultado, instalou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI mista, ou seja, com membros da Câmara os Deputados e do Senado.

A situação agravou-se no dia 2 de abril passado, quando o Senador paranaense Álvaro Dias, do PSDB, divulgou no Senado, sem indicar a origem, a existência de um dossiê, na chefia da Casa Civil, com gastos da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de políticos filiados ao PSDB, partido sabidamente da oposição. Atacado por políticos da situação, cobrado a apresentar a fonte de informação, afirmou que o que tinha que ser investigado é a formação do dossiê e não a sua divulgação.

O fato político tornou-se mais relevante, gerando até pedido de exoneração de ministra de Estado, chefe da Casa Civil. O governo disse tratar-se se um “banco de dados”. A imprensa reagiu, afirmando que ele teve início em 11 de fevereiro, quando o Congresso criou a CPI dos cartões corporativos. A oposição buscou, sem sucesso, a convocação da ministra-chefe da Casa Civil para depor na CPI. O Poder Executivo criou uma comissão para investigar como vazou a informação. A situação foi, aos poucos, tornando-se mais complexa, com suspeita de existência de algum agente infiltrado ou mesmo de invasão dos bancos de dados da Casa Civil. No desenrolar dos fatos, a imprensa noticia que o “Senado deve instalar nova CPI dos cartões” (O Estado de S. Paulo 7.4.2008, A1) e que a PF quer investigar o vazamento do dossiê (Folha de S. Paulo, 7.4.2008, A1).

Em meio a esta situação, há uma suspeita fundada de que a sucessão presidencial estaria a motivar a divulgação dos fatos, uma vez que a chefe da Casa Civil goza de prestígio suficiente para representar o seu partido nas próximas eleições. Bem por isso, o caso, de forte tonalidade política, desperta paixões e manifestações iradas. É recomendável, por isso mesmo, mira-lo à distância e sob a ótica jurídica. Como se situa o ocorrido na visão do Direito. Eis a questão.
Inicialmente, vale lembrar que no Brasil existe um pouco conhecido Código de Ética dos servidores públicos, editado através do Decreto 1.171/94. Portanto, a vincular todos os que militam na administração pública direta e indireta. É possível resumir conduta ética por aquilo que os romanos, há séculos, pregavam: Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu. Por volta de 1300 os boticários franceses editaram o Juramento dos Boticários, no qual assumiam o compromisso de bem exercer sua profissão. Atualmente, alguns órgãos do Poder Público, conselhos profissionais e empresas, costumam ter seus princípios de conduta.

Em 2005, Harry Stonecipher, presidente da Boeing, casado, então com 68 anos de idade, foi obrigado a renunciar ao seu alto posto depois de uma sindicância ter apurado que ele tinha um relacionamento pessoal com uma colega de trabalho, prática vedada na empresa (Zero Hora, 8.3.2005, p. 26).

Pois bem, no serviço público federal brasileiro, o Decreto 1.771/94, dá no art. II orientação precisa sobre ética, ao dispor que:
II - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta.


Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput, e § 4°, da Constituição Federal.

E apenas para exemplificar algumas condutas contrárias à ética, vale reproduzir alguns incisos do artigo XI:
XV - É vedado ao servidor público;
a) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem;
b) prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou de cidadãos que deles dependam;
c) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros;


No caso objeto destas considerações, se a conclusão for a de que realmente houve a criação do dossiê, induvidosamente, estar-se-á diante de uma infração ética. Em um passo seguinte, será preciso indagar se o fato ultrapassa do ético para atingir o ilícito penal. Se existente o dossiê, a conduta poderá significar infração prevista no Código Penal, conforme redação abaixo:

Artigo 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena: detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constituir crime mais grave.

Entretanto, o tipo penal exige que o fato “deva permanecer em segredo”, ou seja, que o conhecimento seja restrito a determinado número de pessoas. A regra, pois, é a da publicidade dos documentos da administração pública, atentando-se para a transparência que devem ter os atos da administração pública de qualquer dos Poderes da República (Constituição Federal, artigo 5º, inc. XXXIII). Mas, em determinadas situações, recomenda-se o segredo, o sigilo. Neste particular, é preciso socorrer–se da Lei 11.111/05, que diz:

Artigo 2º O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral será ressalvado exclusivamente nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos do disposto na parte final do inciso XXXIII do caput do art. 5o da Constituição Federal.

Aqui merece reflexão o fato de que o sigilo, seja da administração pública em geral, seja decretado pelo Poder Judiciário em investigações criminais ou em ações judiciais, nem sempre é preservado. Não é raro, por exemplo, que interceptações telefônicas feitas com o amparo da Justiça sejam divulgadas nos meios de comunicação social, com ofensa ao art. 10 da Lei 9.296/96. E não se tem conhecimento de que haja punição dos que assim procedem.

Finalmente, resta analisar a divulgação dos dados pelo Senador da República. O Parlamentar que recebe informações, evidentemente, não necessita citar a fonte, pois, caso assim fosse obrigado a proceder, com certeza não poderia bem exercer as suas funções. Passa-se aqui o mesmo que ocorre com os jornalistas. Eles têm o direito de resguardar a fonte, como forma de terem acesso às notícias.


E isto não é apenas um acordo social. É, na verdade, garantia legal assegurada pela antiga Lei de Imprensa (Lei 5.250/67, artigo 7º: (Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes de origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas...). Portanto, o Parlamentar revela a fonte de informação, se quiser. Evidentemente, se anunciar algo inexistente a situação será outra, cogitando-se, então, de eventual ilícito penal ou administrativo. Não será demais lembrar, todavia, que o Senado não possui Código de Ética.

Concluindo, resta dizer que tudo o que se passa pode ser motivo de amadurecimento de nossa jovem democracia. Equívocos, embates, conflitos, podem ser uma boa via para uma segurança institucional cada vez mais forte. Portanto, a lição que se pode tirar do que se passa é a de que é preciso, com vistas à ética na administração pública, definir melhor o uso e os limites dos cartões corporativos e o que deve ou não ser considerado sigiloso, tudo com vistas a um processo democrático transparente e caracterizado pela lealdade entre o Poder Público e a cidadania.

*o AUTOR é desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e professor de Direito Ambiental da PUC/PR


Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2008

AMBEV É CONDENADA A PAGAR UMA INDENIZAÇÃO DE R$ 100.000,00 A DEGUSTADOR DE CERVEJA

Esta não versa sobre o direito administrativo, mas postei por ser bastante interessante.


Por ter a atividade de degustador de cerveja contribuído para o agravamento de dependência etílica, empregado da Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) receberá R$ 100 mil de indenização. A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou que houve responsabilidade da companhia pelos danos causados à saúde do trabalhador, pois a empresa, quando o designou para essa função, sabia da sua predisposição familiar à síndrome de dependência do álcool (DAS), da qual já era portador.


Funcionário da Ambev no período de dezembro de 1976 a outubro de 1998, quando foi aposentado, o trabalhador gaúcho ajuizou ação de reparação de perdas e danos por ter sido exposto à ingestão de 1.500ml de cerveja diariamente, segundo prova testemunhal. Alegou, para o pedido, que é impossível a reversão de seu estado de saúde, pois é hoje portador, além da SDA, de cirrose hepática e diabetes, e necessita de tratamento imediato e permanente. Em sua argumentação, disse que a ingestão diária de cerveja imposta pelo trabalho agravou ou manteve em ascendência a sua dependência etílica, impedindo que deixasse o vício.


Para o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que condenou a empresa à indenização, confirmada agora no TST, se o autor já era portador da síndrome antes de exercer a função de degustador, jamais deveria ser atribuída a ele tal atividade. Ao selecionar pessoas para a degustação de bebida alcoólica, deveria considerar como fator de exclusão a preexistência de dependência etílica.


Segundo o laudo pericial realizado para verificar as condições de trabalho, a empresa não fiscalizava a quantidade de cerveja ingerida pelo empregado nem adotava medidas de prevenção e tratamento do alcoolismo, mostrando-se negligente com a saúde do trabalhador. Muito pelo contrário: o empregado recebia uma garrafa de cortesia todos os dias ao final do expediente, em virtude de acordo entre a fábrica e o sindicato.


Os médicos informaram, ainda, que o trabalhador possuía predisposição familiar ao alcoolismo e já era portador da síndrome de dependência do álcool quando passou a fazer a degustação de cerveja, e que houve evolução da doença durante o período em que realizou a atividade, nos últimos 15 anos do contrato. Relatam que a dependência etílica se tornou mais grave cinco anos depois do autor ter iniciado a exercer a função de degustador, evidenciando-se por sintomas de irritabilidade, tremores nas mãos, taquicardia e persistência de igual consumo de bebidas alcoólicas durante as férias.


Ao confirmar a condenação, o relator do processo no TST, ministro Horácio de Senna Pires, observou ter sido comprovado o nexo de causalidade entre o trabalho e a doença, que permite a responsabilização da empresa pelos danos daí decorrentes.


Fonte:TST. AIRR-1242/2005-522-04-40.4

STF APROVA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA PREENCHER 188 VAGAS

Em sessão administrativa realizada nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal aprovou a realização de concurso público para preenchimento de 111 vagas de analista judiciário (carreira de nível superior) e 77 de técnico judiciário (nível médio). As 74 vagas inicialmente aprovadas para cargos de Comunicação Social foram suspensas, por solicitação do presidente eleito do STF, ministro Gilmar Mendes, que irá reavaliar esse ponto.

Os cargos no quadro de pessoal do STF foram criados pela Lei 11.617/07, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.

O edital, em fase de elaboração, deverá ser publicado até o fim deste mês. A expectativa é que as provas sejam realizadas 60 dias depois.

Para a realização do concurso foi escolhido o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), ligado à Universidade de Brasília. A taxa de inscrição para os candidatos às carreiras de nível superior será de R$ 60,00 e, para as de nível médio, de R$ 40,00.

DECISÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO NÃO VINCULA JULGAMENTO DO JUDICIÁRIO SOBRE A MESMA QUESTÃO

Poder Judiciário não está vinculado às decisões tomadas pelos órgãos da Administração Pública. O entendimento é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros negaram recurso a um tenente do Corpo de Bombeiros acusado de suposta prática do crime de corrupção passiva. Assim, terá continuidade a ação penal movida contra o tenente, apesar de ele ter sido absolvido no processo administrativo instaurado pela Corporação Militar. A decisão da Turma foi unânime.

Segundo a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, “a teor do princípio da independência de instâncias, a absolvição do acusado (tenente) no procedimento administrativo instaurado no âmbito da Corporação Militar a que pertence não constitui razão suficiente para obstar o seguimento da ação penal, pois o Poder Judiciário não está vinculado às decisões tomadas pelos órgãos da Administração Pública”.

A defesa do tenente recorreu ao STJ após ter seu pedido de habeas-corpus rejeitado pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais (TJM/MG), que manteve a ação penal contra ele. Ele foi denunciado por suposta prática do crime previsto no artigo 308 do Código Penal Militar – corrupção passiva. Segundo a denúncia, ele teria recebido R$ 500,00 em compras de carne e carvão para a corporação. O Comando Militar teria cobrado dos organizadores de uma festa valor menor do que o previsto como taxa de segurança pública para a realização do evento. De acordo com o processo, o militar apresentou nota fiscal e comprovante da doação dos valores para a corporação.

No STJ, a defesa do militar reiterou o pedido de trancamento da ação penal. O advogado alegou inépcia da denúncia (não atende às exigências legais), pois, segundo ele, a peça processual não descreve o fato criminoso e suas circunstâncias. Também afirmou inexistir justa causa para a ação penal, pois o tenente não recebeu vantagem indevida, como alega a denúncia. A defesa ressaltou, ainda, não ter havido dolo (intenção de praticar) do tenente ao receber os valores destinados à corporação e destacou a absolvição dele no processo administrativo disciplinar realizado pelo Comando Geral do Corpo de Bombeiros.

Para a ministra Laurita Vaz, a denúncia não é inepta, pois “atende perfeitamente às exigências do artigo 77 do Código de Processo Penal Militar, permitindo ao paciente ter clara ciência da conduta ilícita que lhe é imputada, garantindo-lhe o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. Não há falar, assim, em inépcia da peça acusatória”.

A alegação de falta de justa causa também foi rejeitada pela relatora. “Os fatos narrados na denúncia levam a crer que, possivelmente, a cobrança a menor da Taxa de Segurança Pública fora realizada para que o promotor do evento pagasse determinada quantia em dinheiro para subsidiar um churrasco na Corporação. Aí é que reside a circunstância de ser ‘indevida’ a vantagem auferida, ainda que não tenha sido em proveito próprio, como afirma o recorrente”.

Segundo a relatora, “pouco importa o fato de, posteriormente, ter sido cobrado o restante do valor da Taxa de Segurança Pública, ou de ter-se formalizado, por meio de termo de doação, o recebimento da vantagem. Com efeito, o crime de corrupção passiva é formal, consumando-se no instante em que o funcionário recebe a vantagem ou aceita a promessa de sua entrega”.
Em seu voto, a ministra Laurita Vaz rejeitou, ainda, a alegação de ausência de dolo por parte do acusado. “A aferição do dolo, por demandar ampla dilação probatória, não está salvaguardada no estreito âmbito de atuação do habeas-corpus”, pois exige análise de provas, o que não é permitido nesse tipo de processo.


Fonte: www.stj.gov.br